22 de agosto de 2008

Algo sobre sentidos.

Reclamamos.

Do que ainda não alcançamos,
Do que nos foi tirado,
Do que nos é dado,
Do que sentem ou não sentem por nós,
Do que idealizamos,
Do que não concluímos,
Do que os outros não concluem por nós.

A reclamação se torna automática, por vezes até instintiva.
Constantemente banal.

Por vezes desejamos uma nova vida, com novos objetivos, novas pessoas, novos empregos, nova personalidade...
E novos motivos para reclamar, talvez.

Tenho vivido experiências marcantes, e sinto o desejo de compartilhá-las, por mais que o diálogo seja apenas entre eu e este computador.
Ainda assim, essa acirrada discussão desperta em mim opiniões antes desconhecidas ou meramente banalizadas.

Na semana passada, comecei a trabalhar como intérprete de Libras de um aluno surdo, num curso de gastronomia.
Não fosse a complicação dos termos técnicos e a responsabilidade de passar uma mensagem a alguém - podendo ou não comprometer seu aprendizado - a situação não me geraria grandes emoções.
Mas acontece algo a mais nessa experiência, e isso sim me faz repensar muitos conceitos. Ou apenas, pela primeira vez, parar para pensar nesses conceitos.

Imagine-se privado de algo que é seu, por direito.
Imagine agora que isso que lhe foi tirado o diferencia dos demais.
Imagine a vida sem som.
Imagine o mundo sem música.
Ou ainda, uma vida sem luz, sem cores, sem voz, sem cheiros.
Vida sem mobilidade, vida quieta.

E o que escrevo aqui não é movido por dó, nem quero causar compaixão em quem lê.
Pessoa com deficiência é tão pessoa quanto qualquer outra.
E ouso dizer: é até mais pessoa.
E não quero ser mais uma a declamar clichês como "eles são fortes", "eles superam tudo", "eles devem sofrer tanto..."
ELES poderiam ser nós, e vice-versa.

Às vezes vejo amigos imitando uma ou outra deficiência, a fim de me irritar.
Confesso que realmente não gosto desse tipo de comportamento, que expressa infantilidade diante de situações que merecem aplausos, e não risos.
Confesso aqui também que, quando criança, minha mãe me levava à escola para crianças especiais, e que me divertia com elas, tanto quanto o fazia com outros amigos.
Até que alguém, não me lembro quem, nem quando, nem onde, me fez crer que essas crianças eram diferentes e deveriam ser tratadas como tal.
Talvez tenha sido um auto-conselho, a memória me falha.
E tive nojo. A palavra é essa, nojo. Nojo daquelas crianças especiais.
E até hoje padeço por isso. Mai tarde, transferi esse nojo para mim, por esses pensamentos absurdos.

Nesses últimos tempos, também, senti atmosferas de superficialidade em diversos lugares.
Acadêmicos, culturais, estudantis.
Tudo em volta exalava futilidade, odor antes pouco perceptível.

E a junção dessas duas realidades me faz pensar.
E repensar sobre o que é realmente importante.
Algo é importante apenas quando em comparação com outra coisa?
Um sapato x menos pior que um sapato y.
Uma paralisia x é menos pior que uma doença mental y.

X em função de Y.
Vivemos em um mundo de opostos, onde o vetor que guia o olhar tem mais importância do que o que se olha em si.


Reclamamos.
E sempre reclamaremos.
Mas que a repetição não nos domine.
Ao invés de Re Clamar, clamemos por algo mais.
Clamemos pela vida, e agradeçamos por ela.