31 de janeiro de 2009

O andar tranquilo

Andava apressadamente.
Um fim de tarde ensolarado, mas de um calor que não agredia.
Acariciava.
Um pé seguia o outro, instintivamente.
O vento bagunçava meu cabelo e, no entanto, eu não me incomodava.
Passei a pensar. Precisava botar meu pensar em dia.
Mas o meu pensar anda vagarosamente, por caminhos tortuosos.

Sua cronologia segue a instabilidade das nuvens, ora coberturas para refrescar, ora telas brancas, prontas para a pintura solar.
"Nuvens são interessantes", pensei.
E lembrei dos momentos em que olho para o céu e, talvez numa ilusão de uma mente doentia, ou num acesso de pureza extrema, digo: "O céu está alto hoje".
Não é piada, juro.
Há nuvens comuns, mundanas.
Há nuvens rasteiras, esquivas.
Há nuvens pequenas, isoladas.
Há nuvens aventureiras, amantes do vento.
E há aquelas nuvens.
Aquelas, infinitas.
Que mesmo cobrindo o sol, iluminam.
Seus contornos, definidos e inatingíveis, parecem esconder mais que o sol.
Escondem talvez o Olimpo, um pote de ouro.
Escondem a riqueza não-palpável do homem.
E estão lá.
Tão altas... e ao mesmo tempo, tão perto.
Hipnotizam.

"O céu está alto hoje."

Hoje elas não estavam lá. Que pena.
Talvez elas só existam para nos privar de uma rotina apressada e sem pausas.
Nem que por alguns singulares momentos apenas.
O céu estava baixo e me impeliu a olhar para os passos que dava.



-Nossa, que andar tranquilo!

Me perdi nessa frase.
Foi como um empurrão dado por um contestador de pensamentos.
Uma advertência do meu lado racional.
Acelerei meu raciocínio. Saí da ausência de obrigações em que tinha me metido.

Andava apressadamente.
Um pé seguia o outro, instintivamente.
O vento me incomodava, indo contra mim.
Pensava no objetivo, chegar à.
Não pensava mais em mim, indo para.
Não pensava mais nas nuvens, sem porquê.

Nota Para a Posteridade


Ando lendo muitas peças teatrais ultimamente.
Leio por curiosidade. É o que me resta desse mundo tão esclarecido.
Não se enganem, não sou culta. Sou mais ignorante do que um trabalhador braçal que largou os estudos para garantir o sustento da família. Ele sabe da vida.
Eu sei das peças. E das suas histórias fictícias sobre pessoas fictícias com seus dramas fictícios.

Precisamos de milhões de pétalas de flores para extrairmos poucos mililitros de sua essência.
Precisamos de milhões de pessoas para extrairmos poucas palavras de sua existência.
A essência, que num abrir de frasco nos inuda com um cheiro equivalente a uma plantação de flores.
A existência, que num virar de página - ou num abrir de cortinas - nos inunda com a realidade equivalente à vida de uma humanidade.

Mas, mesmo verossimilhantes, as peças ainda não contam da minha vida.
Contam da minha essência, sim.
Mas quem afinal conhece a sua própria essência?
Desconhecemos tudo aquilo que nos torna íntimos de quem não gostamos ou simplesmente não conhecemos.
Eu desconheço isso.
Por isso, e talvez por uma birra infantil de me considerar única - exclusivamente falando -, não consigo me identificar com o personagem.
Pode haver aquele outro motivo também. O de conhecer das peças, e não da vida.

Mas querendo ou não, a vida é teatral.
Sendo aspirante à atriz, sou aspirante à vida.
E a teatralidade da vida me impede de ser real.
Muito embora o que é teatral não seja irreal.
Preciso, de uma vez por todas, aprender essa lição.
Pois quando leio uma peça, todos os meus átomos se voltam para um objetivo.
O de parecer real, apesar de não o ser.
Meus olhos não mentem. Eles tremem ante a falsidade daquilo que digo.
"Meus olhos precisam aprender a mentir."

Me ocorreu esse pensamento.
Sem me dar conta de que se os meus olhos precisam desse aprendizado, então meu corpo inteiro, todos os meus sentidos e pensamentos deveriam fazer parte dessa tarefa então.


Caí na realidade do absurdo que dizia.
Não tenho que mentir para ser real.
Basta extrair de mim a verdade,
colocá-la num pequeno frasco,
e quando sentir necessidade,
desenroscar seu ferrolho,
e cheirar a mim mesmo,
me inundar de mim,
e da humanidade,
e ser igual,
essência.