1 de setembro de 2013

Av. Brigadeiro Luis Antônio, 1343

Num canto, um saco de lixo preto que às vezes respira.

De plástico negro, moldado, impermeável, sabe-se lá que lixo orgânico o preenche. Reside nas madrugadas da mesma calçada há tempos. Habita o horário que segue a passagem do lixeiro.
E sempre que passo, a mesma sensação. E se passar pela cabeça de alguém, um dia, recolher esse saco? E se o lixeiro atrasar? Se ocorrer a alguém botá-lo num desses grandes caminhões, a mercê de um destino comum a tudo que descartamos? Se alguém tentasse abri-lo? O que queimaria se um cigarro fosse esquecido aceso ali por um transeunte distraído?

Um ruído se ouviria, penso eu. 
Um gemido tão bêbado que não passaria de ruído
Nenhuma reclamação surgiria de um saco de lixo que vive para não atrapalhar a passagem.

E no entanto eu vi ali algo se mexer.


no plano das nuvens (ou do topo do banco Safra)

(Uma flauta transversal ao fundo)
Hoje, à espera de um ônibus, eu pensei em fazer um texto, um curta-metragem, uma cena, algum tipo de criação a respeito dos sonhos das pessoas. Em particular das pessoas que passam por este ponto da Paulista. Dessa gente que diz "antes na Paulista que em Diadema, né!", enquanto ri para a outra que nesse momento se pega pensando que deveria estar vestindo algo melhor. Ou daquelas que param no meio do caminho, merecendo o soslaio indignado de alguém que certamente receberia a culpa e com ela mais parcelas do seguro do carro, acaso estivesse em um, e acaso tivesse batido na traseira deste outro distraído e irresponsável. Este, retomo agora, que parou no meio do caminho e olhou pra trás, como se esperasse por alguma coisa. A acontecer ou já acontecida, esperando talvez que algo fosse remediável, ainda que só o que se visse fosse um pedaço do tênis entrando no metrô, e não a imagem esperada, a imagem correspondente ao grito que se ouviu (ou que se pensou ouvir) de uma pessoa à sua espera.

A rua se trata de pessoas que olham. Não que sonham.
E no que elas olhavam é que eu percebi. Não há sonhos.
Sonhos são criações imediatas. De um imediatismo relativo ao olhar.
O sonho se dá a medida que se olha.
Os sonhos são, necessariamente, as pessoas que passam por nós. São as pessoas que nós gostaríamos de ser e que elas são. São as vidas que gostaríamos de ter e que elas têm. São as coisas pelas quais gostaríamos de passar e que elas passaram. Mas também são os grandes prédios que gostaríamos de conhecer por dentro. São mesmo os coqueiros dos canteiros centrais da avenida que nos remetem à praia. São os quinze segundos de uma flauta audível e do desejo de estudar música. São os agradecimentos do músico aos seus cinquenta centavos enquanto canta Disfarça e Chora sorrindo.
E por que diabos se fala de sonho tanto para o que ocorre no inconsciente durante o sono quanto para o que nos motiva a continuar - não acredito que vou usar esse termo - lutando? O sonho do dormir é aquele que se esquece, é aquele cuja procedência não importa, cujo resultado não interessa, cujas pessoas envolvidas às vezes é melhor nem lembrar. Em que se assemelha este ao sonho de comprar um carro vermelho, de financiar uma casa - um sobrado, de morar na Vila Madalena ou de casar e constituir uma família? Tudo esperado, agendado, parcelado igualmente em 36 vezes com uma entrada que eu ainda não tenho completa, com pessoas das quais eu já sei o sobrenome e o endereço.
O interesse do sonho está no instante em que não se acorda. Quando já acordado, esse interesse está no instante em que o sonho não vale nada. A beleza é exatamente a sua inutilidade, e é por isso que não se pensa neles. Sonhar com um cardigã azul na Hering que a mãe não quer dar por ser uma roupa de meia-estação e esse tipo de roupa não dura muito pode pegar mal, assim como sonhar em ter um dia uma risada sonora de alguma dessas velhas que riem de coisas simples porque "se eu só pensar no preço do feijão, benzadeus, onde a gente vai parar!" não parece digno de ser sonho, ou parar no meio da rua enquanto se pergunta "como raios ele faz essa coisa azul brilhante voar tão alto, chegando ao topo desses prédios que eu nunca vou entrar e descer macio, pousando na mesma mão que a lançou, sem esforço?" não parece um motivo bom pra parar no meio da rua e ser tachado de criança.

O olhar inútil, o sonho gratuito.
E o meu ônibus chegou.