20 de novembro de 2017

o gato de schrödinger

- nossa história acabou não é uma boa coisa
- que história
- a nossa, aquela sem testemunhas
- essa história nem aconteceu
- já parou pra pensar que todo dia nublado é uma página em branco
- conta a história
- era uma vez uma mulher que andava por um caminho bonito quando de repente 
- não gosto dessa conta aquela bonita da moça que voa
- quando de repente viu um lago ou um açude não sei como chamam aqui em são paulo e foi se banhar
- ficou pelada na frente de todo mundo sabe que a primeira coisa que a gente olha são os peitos né
- enquanto ela tomava banho ela falava com os orixás porque ela acreditava nessas coisas
- e aí
- aí que sempre que ela falava com os santos dela ela perdia alguma coisa porque se distraia achando que uma marolinha já poderia ser um aval do santo pra ela seguir fazendo besteira, nisso um homem surgiu e ficou olhando ela de longe por muito tempo
- também
- ele tinha um olhar de tarado mas ficou encantado foi com o canto da mulher, que canto de mulher quando acha que não está sendo observada por um homem é muito mais bonito
- como sabe que ele se encantou
- não sei e ninguém sabe, faz parte das premissas da nossa história que acabou
- ele pode só ser um cara que gosta de olhar de longe, não tem mal nisso
- ele achou as roupas dela e escondeu. foi ficando tarde, a mulher foi se vestir, não achou as roupas e chorou, não queria ficar pelada assim pra sempre, só bastante, de vez em quando
- cheiro de mulher é um negócio que mexe com a gente
- o homem apareceu e disse que devolveria as roupas se a mulher abdicasse da própria vida e fosse viver com ele, li num livro que isso sempre acontece, do homem ver a alma e querer tomar pra si porque faz falta
- ela foi? 
- ele disse meu sonho é deitar com você na grama olhando pro céu, ela achou aquilo bem bonito e foi. foi com ele. mas foi uma noite longa muito escura que durou mais de ano e só ele conhecia o caminho. não tinha pressa de chegar porque gostava da companhia dela mas andava sempre à frente, como se quisesse a despistar às vezes. depois voltava pra perto pra garantir que aquela alma tinha dono e sumia de novo finais de semana inteiros durante a caminhada. foi num sábado dessa noite longa que ele esqueceu de dizer que tinha um precipício beirando o caminho inteiro, então ela caiu
- morreu?
- aprendeu a voar quase no chão, lembrava da técnica de encher os pulmões pra flutuar na piscina e acabou funcionando naquela atmosfera romântica que tinha encontrado desde que foi possível encontrar um lago limpo pra se banhar na cidade de são paulo
- essa a parte bonita, a que ela voa. 
- dizem que o homem não achou isso, ou achou. porque ele sentou na beira do precipício por anos com a boca entreaberta sem conseguir emitir um som. virou pedra do rochedo, marco pros turistas não se perderem durante as trilhas. dizem que sofreu e dizem que não sofreu também. dizem que uma vez viram uma lágrima rolar na bochecha mas aí viram que só tinha começado a garoar mesmo. ganhou até nome: o dono da alma que voa
- e ela
- não sabia pra onde voltar, ninguém pedia pra ela ficar então ela seguiu voando. às vezes gritava pra que soubessem por onde voava, coisa muito vulgar de gente muito carente. mas não tinha nem eco porque são paulo tem prédios demais. demorou um tempo, mas uma hora ficou rouca e se calou, é difícil sentir por dois por tanto tempo mas é mais difícil sentir por uma pessoa só assim, sem ser ouvida nem procurada. e aí acabou, a nossa história acabou. é uma coisa boa, eu acho
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- o tempo passa mais devagar no silêncio, mas uma hora passa, é o que o ele faz de melhor
- adeus
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- antes diz a verdade, ela caiu ou voou?
- a pergunta certa é: ele olhou pro chão ou pro céu quando ela sumiu?