28 de outubro de 2012

um texto de algum tempo sem conjugação

Me peguei assim de repente entre o vir e ir.
Apnéia é a metáfora. A quase dor que surge entre o inspirar e o expirar.
O tempo suspenso num ar represado, o tal tempo dolorido do presente.
O tempo de ver-se a um só tempo diante de um futuro reticente e de um passado cheio de certezas irrevogáveis.

É o tempo da reza úmida, que chora pelos que foram, pelos que estão indo, pelos que irão.
Só um aperto na garganta denuncia o futuro. Mas pode ser gripe.
Fato é que me vi assim, sem pertencer nem ao futuro nem ao passado de ninguém. Mas com correntes em volta de mim mesma, que me puxam para qualquer destino próprio. Quisera ter correntes nos olhos, para que eles não se perdessem na paisagem dos presentes alheios. Sinto falta de ser presente. Sinto falta do passado. Sinto falta dos futuros já substituídos. O que poderia ser somado ao que parece ter sido e ao que é...



luz quieta

O serviço funerário de São Bernardo não tem sirene.
Um carro branco, geladeira de almas, com uma luz azul-movente por cima, sinaleiro de espíritos. Eis tudo.
Como os doentes e criminosos, não teriam os mortos também alguma urgência no deslocamento? Não deveriam também ser autorizados a abrir passagem por entre a corrente de viventes - estes, aos quais não mais importam nem os doentes, nem os criminosos, nem os mortos, nem as sirenes azuis silenciosas (a não ser quando sonoras e vermelhas)?
Não, não é a morte que alardeia, que precisa ser vista. Esta é a sua fuga - composta por indiscretas sirenes que impedem uma conversa num café e que fazem de um motorista comum um exímio executor de clareiras no trânsito fechado. A um tempo fugitivos e cúmplices na fuga, na sempre fuga nossa de cada dia, como num replay ad eternum de um filme da seção Aventura da Blockbuster (Suspense, Terror, Pornô...), somos embalados por iós e banhados de vermelhidão luminosa e plasmática.
E, no entanto, no silêncio das buzinas de todo dia, obedecemos ao sinal-vermelho-fechado e não nos atrai a atenção um faroleiro azul ao lado, a própria morte no banco do passageiro num carro branco demais para sua  presença.

Aos viventes, a cromoterapia adverte: Deem preferência ao azul para momentos de relaxamento. As tonalidades do azul - principalmente as que tendem ao pastel - são altamente recomendadas pelos cromoterapeutas na pintura de ambientes tranquilos como quartos e banheiros, pois trazem ao habitante uma sensação de serenidade e paciência, bastante adequada ao sono.