27 de julho de 2012

Algo sobre a nova matriz da minha cidade

Uma nuvem rosa me fez pensar num exercício de dramaturgia.

Lamentando-se depois de um mato cutucar-lhe a orelha (um desses matinhos abusivos, nem excessivamente altos, nem excessivamente baixos, plantados pela prefeitura para denunciar quem se esconde e não incomodar quem sente falta de verde), um senhor diz a outro: 

- É... Conseguiram o que queriam. Tiraram daqui o que havia para olhar. Pra digestão do almoço agora é queimar os olhos nesse branco refletido vendo os carros e os prédios e o recapeamento bem feito e o novo revestimento de pedra da praça e o Santander e um ou outro mato que entra na orelha.

- Verdade,
Fica só o pipoqueiro como restolho poético.
E a manca que parece abalada pelas novas curvas futuristas do chão.
E a menina que aponta pra "lua e o sol no mesmo céu!" às 17:30.
E o sol que se apaga, acendendo as luzes brancas dos holofotes. (engraçado como tudo virou lua de repente, não se encontram mais luzes amarelas no Center Castilho)
E vez ou outra um sinal da cruz.
E os sinos! E a gravação da Ave Maria!
"Hoje é dia de missa de sétimo dia, não de casamento"
E essa igreja agora com cheiro de cimento
Este é o meu sangue
Este é o meu corpo
Corpo de cálcio
De cal
Olhos calcificados
olhando de soslaio (talvez tentando entender por que o sino atrapalha a melodia farfalhante de suas sacolas desse jeito tão harmonioso)
E enquanto isso o pipoqueiro faz barulho pra tirar pedras brancas de um bueiro branco quebrado e varre o chão levantando poeira branca e lava as mãos numa água branca e a pipoca branca esfria, branca.


-É, cimentaram tudo, mas por fim não tiraram daqui o que havia para olhar.

26 de julho de 2012

Perdão, mas até que homem vai o ego de uma mulher?

25 de julho de 2012

refresco

eu quero tocar fogo nesta casa
e sentir no crepitar da pele o não crepitar do resto
ver-me aconchegada assim, nesse quente, nesse ardor
enquanto os outros calores esperam do lado de fora
longe das labaredas daqui vão ficando frios
sem oxigênio de suspiros pra combustão 
e sentada no sofá me lembrarei de algo
e pensarei ouvir alguma coisa
até cogitarei interromper tudo e atender à porta
passar batom nos lábios mortos
e te atender como quem não esperava

mas permaneci assim, imóvel
só um sorriso débil borrando-me o rosto
e um daqueles silêncios mais silêncios 
que estão sempre lá pra anteceder qualquer coisa
e a coisa não chega
foi quando um vento fino abriu a cortina e,
junto com a sua ausência,
me apagou.