9 de julho de 2011

tudo partindo da repulsa e da atração
nem tua cama te segura
a não ser que tenha dois edredons e três travesseiros
ouve música folk
que a folclórica te cansa
acha que pertence a outro lugar
só por não pertencer a este
mas lá você não pertenceria
penitência
sempre ajoelhada no milho da galinha dos outros

8 de julho de 2011

tudo é um não
a boca, o quarto desarrumado
a mãe, o horóscopo do domingo
sua metade racional e irracional do cérebro
as horas dizem não
o toque que não toca
é ele quem mais diz não
até os dentes que sorriem sim dizem não
e você acredita em todos eles
grita não
mas é que no fundo
lá, bem perto do carpete puído e dos fiapos do cobertor
você é sim
o resto é que é não
até o tutu de feijão que sua mãe fez
não te espera
esfria mais rápido do que o sim que você demorou demais pra dar.

hipoglós

a bunda num sofá Casas Bahia
duro, é duro.
duro, velho e feio.
especialmente feio.
não pode se jogar nele, não
a aflição nesse caso exige parcimônia
pra não machucar as nádegas
nádegas, eu digo
porque nada mais machuca além do sofá Casas Bahia
nada, além das nádegas
que sofrem só a dor de cair em pranto no sofá Casas Bahia
de dura, velha e feia
só a dor que senta nele
e ele que senta na dor.

penetração

adentrar o corpo
e de dentro
tentar manipular os membros
veias-fios de manipulação
mas você sabe que tal qual um dedo na goela
foi assim que você entrou
nauseando
tirando a espontaneidade da língua
sem ser de lá
sem ser de fora
um corpo estranho num corpo estranho

e as pessoas comentam esse tipo de coisa.

26 de junho de 2011

Eco e o Descorajado (Mário de Andrade)

Neste lugar solitário
Onde nem canta o sem-fim,
Choro. E um eco me responde
Ao choro que choro em vão.
Eco, responde bem certo,
Meus amigos me amarão?...
E o eco me responde: -Sim.

Pois então, eco bondoso,
Você que sabe a razão
Por que deixando o tumulto
De Paulicéia, aqui vim:
Eco, responda bem certo,
Maria gosta de mim?...
E o eco me responde: -Sim.

Antes morrer!... Eu me sinto
Tão vazio com este amor...
Não aguento mais meu peito!
Morrer! Seja como for!
Eco, responda bem certo,
Morrerei hoje, amanhã?...
E o eco me responde: - Nhãam...

31 de maio de 2011

Você tem a certeza de que está sozinho quando ninguém percebe quando você disfarça o choro. E então você quer chorar alto mas não consegue mais. Se acostumou ao anonimato.

8 de maio de 2011

Quica um, dois, três e afunda.

Ai, como eu queria saber que a dor não é só minha.
E ver no outro o reflexo de mim.
Mas a água é cada vez mais turva; seixos atirados na superfície.
Meu reflexo é a sombra do que era, embora continue molhado.
Ai, como eu queria que me adivinhassem as dores e tirassem os seixos dos bolsos.

Metáfora, metonímia, pleonasmo e hipérbole.

Nas minhas longas leituras de Foucault - longas pelo grande tempo gasto em cada página -, uma passagem me pegou. E é justamente sobre a passagem que ela fala. Ele conta dos loucos que na idade média eram colocados em navios mercadores para expiar seus males na água, considerada um elemento purificador da alma. Medida de limpeza urbana, suponho. Mas o interessante é a conclusão em que ele chega:

Sua exclusão deve encerrá-lo; se ele não pode e não deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no lugar de passagem. Ele é colocado no interior do exterior, e inversamente. (...) Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer.


Meu limiar pode não ser tão extenso, mas me aprisiona. Quem dera ser louca pra estar alheia. Acontece que é sempre transição, mas diferente da do louco, ela traz a expectativa de conhecer a terra em que se aportará. Mas é raro se ouvir um "terra à vista!", e mais raro ainda não desviar dela por qualquer outra coisa que surgiu "à vista" também. Quanto mais distante, o lugar onde se estava vai deixando de ser o que era, de falar como falava, de comer de boca aberta como comia, de sorrir como sorria, de cheirar como cheirava. De continente vai se tornando ilha e, enfim, apenas uma sujeira levemente arredondada no horizonte. E a minha loucura vem daí. Ela surge na distância. Surge no esquecimento. A memória do lugar é colorida só porque te falta à mão uma fotografia atual dele (a memória não tem caminhos de regresso, toda primavera antiga é irrecuperável e o amor mais desatinado e tenaz não passa de uma verdade efêmera). Ou então te mostram essa foto, mas você não consegue reconhecer nada nela além de mentira. Então você se questiona sobre a verdade que existia nessa relação. Nessa e noutras. Todas as outras. Todas as terras que você visitou. A verdade é o seu navio. O momento presente, que é fluido como a água. Vá lá, todo esse horizonte pode deturpar sua visão... O céu que reflete a água não reflete a terra tão bem, mas todo o seu pensamento vagueia com ele. Às vezes você se pega perseguindo um passarinho de 140 caracteres e ele traz notícias daquela terra. Mas a água está ao seu redor, sai dos seus olhos. A notícia é que a terra está seca. E a lição é aprendida na palmatória.


E se a Blanche, do bonde chamado desejo (ou a barca louca de Foucault?) diz que sempre dependeu da bondade de estranhos, eu digo que sempre dependi da bondade dos conhecidos, até eles se tornarem estranhos. Então a bondade espontânea vira súplica.

29 de abril de 2011

Quando o pé dói tanto, torna-se preciso ascender.
Dói o chão pra não doer o céu.
Dói por medo de voar.
E então você fica nua em cena e se dá conta:
"Sou carne, afinal!"
É quando a luz que retém ou que é retida pela sombra de uma grade na grama passa a te preocupar mais do que a sombra em si, quando pra saber se o que te molhou foi chuva, você passa alguns minutos tentando distinguir as gotas olhando as lâmpadas dos postes, para depois ficar com uma marca furta-cor na retina que causa um buraco no mundo. É quando, depois de presa num ônibus por três horas, o que te chama é a luz amarela da rua junto à vermelha dos carros à frente e à azul do bagageiro, e então você deseja antes uma câmera fotográfica ao celular que a passageira à esquerda usa para ligar pra casa e pedir aos pais que conversem com ela antes que ela tenha um colapso nervoso.


O mundo desaba e você vende flores artificias para cabelos.
E o detalhe é o que te mantém sã.

24 de abril de 2011

Arde, Maria.
Maria fugindo, contra a ventania.
Que a vida, Maria, não passa de um dia, não vou te prender.
Anda, Maria, pois eu só teria a minha agonia pra te oferecer.