15 de fevereiro de 2012

da ascensão à queda do colo

de que me adiantam os olhares censores?
lhes digo claramente: sou isso. e não sou.
quero crer que a maioria é assim também, pra não me sentir tão minoria.
a culpa de buscar colo é dos colos, não de quem os busca.
dos colos que foram, dos colos que não permaneceram, dos que aí se mostram desocupados quando não estão.
no fundo é só isso, não se enganem. é busca por colo.

e nessa busca vou sendo eu e vou deixando de ser eu quase simultaneamente
sou eu no momento, e deixo de ser quando ele acaba
então viro sombra pensativa, que cogita sobre seus erros, acertos e exageros
viro arrependimento, aí volto a ser eu
acho que me definirei assim:
te tenho, logo existo;
te perco, logo inexisto;
me arrependo de você e volto a existir.

o erro é voltar a querer o momento
voltar a querer colo, voltar a querer existir.
não é te querer, é querer alguém que me queira
por um momento que seja.
o erro não é perder meus lábios bêbados em seus lábios secos
o erro é acreditá-los molhados
e um dia encontrá-los se abrindo e fechando em palavras ditas a outros,
incitando os olhos censores a se anunciarem
como se meus próprios olhos já não se censurassem a ponto de desejar o chão como morada
é de quedas que são feitos os colos
a queda num colo te faz incólume
ao passo que a queda de um... te faz outra
outra muito menos predisposta a cair

mas atente:
na trajetória do arrependimento
que não estejam presentes as conversas de banheiro masculino
ou os moralismos de quem come, mesmo sem fome
ou os machismos dos que tem pintos recém-descobertos.
que nela estejam presentes
a maquiagem gasta
os sorrisos dedicados
os olhos que te atravessam
e o ver-se sozinha, mesmo acompanhada.
é assim que o arrependimento se firma.
talvez, se atirarmos pedras
possamos ouvir o fundo dessa moça
mas é só um palpite.

12 de fevereiro de 2012

Testamento-lembrete

Favor deixar registrado:
Depois que as minhas cinzas forem misturadas à pólvora, certifiquem-se que os fogos de artifício sejam lançados numa noite boa, com vinho por perto. Não me importa a chuva, se houver. Gosto do barulho que ela faz. Qualquer coisa coloquem uma gravação de chuva encontrada no youtube por uns 10 minutos, assim a água impede que o vento me leve pra longe de vocês. O poente é o meu preferido, mas só acendam o pavio se houver indício de noite, pra que eu não suma no sol. Gosto de vermelho, de girassóis e de tutu de feijão. Ah, Blues, por favor. Uma gaita, que seja, ou um violão. Façam desenhos com 48 cores de lápis de cor. E dancem, em pares, sem pressa. Não me lancem no ano novo. Sejam capazes de perceber que algo se inicia do meu fim, mas não o confunda com um reveillon (as pessoas têm o hábito de achar que a vida recomeça por ondas puladas). Não quero ser Stop, apenas Pause. Depois retoma-se a vida de onde ela parou, de uma festa qualquer.

11 de fevereiro de 2012

Olás à toa

Deles, os mais detestáveis são os que não se despedem.
É como se o adeus desse validade à noite. Como se ele determinasse a validade.
A ausência do adeus não dá poesia no momento do adeus. Dá depois. No momento é só ausência, só falta de adeus. A noite não deixa de terminar pelo descumprimento da despedida. Ela deixa de terminar pelo que se imagina, depois, acerca da despedida. Não é do tipo de poesia da noite que é eterna pelo beijo impedido do amado, poesia branca de neve. É o tipo de poesia que você faz com os olhos perplexos olhando o teto enquanto está deitada, o tipo de poesia que te faz pensar nessa cama ocupada por um.
E bastava um tchau.

10 de fevereiro de 2012

Sobre barbies

Dou espaço aqui para um relato de infância.

Gostava de Barbies. Elas me faziam imaginar o que seria uma vida adulta. Mas nunca nomeei minhas Barbies e Kens com os nomes de minha mãe ou pai. A vida adulta deles é que parecia de fantasia diante das possibilidades que, em minha mão, a boneca se desdobrava pra abranger. Era eu nela, eram meus amores infantis nela, eram minhas aspirações de 2ª série nela, só que com um corpo mais desenvolvido - embora sem mamilos. E meu momento de me imaginar adulta era na chuva - talvez até hoje -, bastava que o som de alguns pingos me chegassem para eu correr rumo às pernas esguias e sem dedos da Barbie. A chuva me dava o isolamento acústico da intimidade. Lá eu poderia amar qualquer que fosse o menino que eu amasse na época - nessa época ama-se muito - e o meu jeito de fazer isso era arranjar uma vilã. Má, ela faria a mocinha cair de um penhasco-mesa, mas felizmente não causaria a sua morte, já que a astúcia de Barbie faz com que ela segure com apenas uma mão não-articulada a beirada do penhasco e lá fique por horas, à espera de um amor herói. Ele chegaria então, com seus cabelos de plástico nunca desfeitos pelo vento, e se curvaria a ela (tanto quanto se pode sem ter coluna), e estenderia seus braços em ângulo reto para tirá-la da aflição da morte. Então ele a abraçaria. Ou melhor, eu entortaria os braços dos dois até que aquilo se parecesse com um abraço e, fora um braço ou outro que se deslocava nesse carinho, confesso que o beijo sempre foi mais convincente. E confesso que é brega. Mas durante a minha infância o brega sempre esteve ao alcance.

Há, porém, algo que me intriga. Sempre me incomodavam os sorrisos. Eu cobrava momentos sérios dos bonecos, cobrava infelicidade. E de fato, seus olhos não sorriam, eles se enganavam. Tratei de buscar uma solução: tampava os sorrisos com meus polegares. Seus olhos se entristeciam e de repente eles viravam adultos. Meus amores já não cabiam neles - talvez a longínqua vontade de amar, que viria anos mais tarde -, mas seus olhos já me diziam mais do que muitos olhos da minha idade que eu nunca compreendi.

E a graça na qual me encontro agora é: hoje escondo infelicidade em sorrisos abertos, depois de já ter coberto sorrisos com os polegares. E quanto aos abraços... há mais facilidade para tê-los, mas tanta dificuldade em abdicar deles... Chego a crer que perder-se em um abraço pode doer mais do que perder um braço. Ainda mais quando ele é de plástico.

7 de fevereiro de 2012

Bom troco

O peso do ar daquela noite o fez querer sair. Em sua casa há muito que os pesos deixaram de ser prazerosos, que os corpos deixaram de repousar um sobre o outro depois das noites movimentadas. Pesados eram, mas de passado, de problemas que se acumulam, não mais de desejo de se fundirem em um. Quis sair para que alguma cerveja o pesasse verdadeiramente então. Pegou as chaves de olhos baixos e murmurou coisa do tipo "vou dar uma volta", embora creio que se lhe pedissem para repetir em voz alta, diria "não pretendo voltar". Partiu. Desceu a rua e entrou num bar de esquina. Gostava de lá. Lhe atraía a escuridão do lugar, a escuridão dos corações mal resolvidos de lá. "Rostos mal iluminados não evidenciam a idade dos riscos", pensava. "Aqui não sou velho, exceto por essa barriga feita pelo tempo e por essa camisa de listras antigas". Tentava redescobrir nos jovens de lá a juventude outrora vivida, tentava traduzir os gritos juvenis seguidos de batidas na mesa e de gargalhadas que outrora entendia plenamente. Mas havia perdido a proficiência. Observava, sem malícia - ou com a malícia dos casos perdidos -, a moça que lhe servia. Movimentava-se tanto, "mal sabe que tanto movimento a fará chegar mais rápido a lugar nenhum, à velhice dos inertes", pensava, enquanto desviava o olhar ao encontrar o dela. Pediu-lhe uma cerveja após a outra, e achou graça quando percebeu que sempre após o pedido, a menina balançava a cabeça afirmativamente, com um sorriso sem dentes e um olhar envergonhado, que fugia logo. Perguntou-se se ela, em alguma medida, o conhecia. Tinha cabelos volumosos de outra época, talvez a dele, mas não era aquilo que os aproximava. Nos breves momentos em que confirmava o pedido olhando-o nos olhos era como se tentasse lhe desvendar por um momento, e isso o incomodava. Se acostumara a ser indecifrável, de alguma forma isso lhe devolvia qualquer traço único da personalidade que ele havia perdido em alguma rua, nos anos de idas e vindas à casa. Haver alguém no mundo que o pudesse compreender seria um risco para aquele universo que ele criou pra si, cercado por muralhas de estabilidade financeira, felicidade domiciliar e ração para cachorros. Pediu a conta daquele olhar. "24 reais e 75 centavos", ela disse, enquanto o desvendava mais um pouco. "Pois me veja mais uma. E fique com o troco." Do tipo que nunca recebeu gorjetas, a menina deu um sorriso, e saiu com pressa, lembrando-se do "obrigada" no meio do caminho. Depois de entregar a cerveja, ela não tornou a olhar para ele. Não queria que pensasse que o olhava pelo dinheiro. Seu interesse era no peso que aquele senhor trazia ao seu bar, no olhar triste dos que disfarçam as dores no escuro. Sem mais a ver, ele murmura baixinho enquanto se prepara para ir: "que a gorjeta cale o seu olhar", embora eu pense que se lhe pedissem para repetir em voz alta, creio que diria "me desvende, me acompanhe".
E essa foi a segunda-feira que me deu 17 reais de troco.

5 de fevereiro de 2012

Estrelas na Roda da Misericórdia

Uma vez quis ser personagem de filme, daquelas que tem poesia no olhar. Quis ser poesia por um dia, e nesse dia adotei uma estrela. Dei entrada na papelada. No meu diário escrevi o documento oficial que me dava a guarda, e ele dizia:

"Sentada no banco menor do terraço, com o corpo virado levemente para a direita, olhe pro céu, um palmo acima do telhado da casa da esquina, uns centímetros à esquerda da lua. Ela estará lá, se a lua for minguante."

Mas eu tinha 11 anos e não seria uma boa mãe, então ela fugiu.

2 de fevereiro de 2012

O silêncio é eloquente; exceto quando é virtual.
O suspiro só se percebe quando em contato com a pele.

1 de fevereiro de 2012

A indireta incide na sua vista como um raio solar incide com um ângulo maior que zero na água de um copo. Se seus olhos fossem mar, ah! então o sol aqui não teria que se dividir em tantos raios, e eles não se perderiam em tantos olhos à procura dos seus. Mas o céu também tem lá sua refração. E quando o sol não sabe pra onde olhar, ele só reflete.

Eis a física, me fodendo novamente.
Eu não quero você
Eu quero você com uma pitada de além
Além-você, além-mim
Que essa coisa de eternidade nunca me enganou
Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha.

Não... não é isso.
Um diário só existe nos dias ruins, só eles que têm vontade de ser escritos. Dias sem decepções só dão vontade de abrir a geladeira. Dias banais não dão literatura e não querem ser lidos, tampouco. Preferem ser esquecidos no limbo da suposta felicidade que vai me fazer um dia olhar pra trás e dizer "eu era feliz e não sabia". Não sabia porque não tive vontade de falar sobre eles, e não ter vontade de falar pode ser fruto do arrebatamento mas também fruto da mediocridade da suposta felicidade. Mas sempre terei certeza dos meus dias tristes. Direi "eu era triste e sabia" e "devo ter sido feliz, mas não sabia porque estava ocupado sendo feliz", e se um dia minha sanidade cessar, vou me esquecer de lembrar que devo ter sido feliz, e começarei a escrever pela trigésima vez um diário pra não esquecer mais, nunca mais, dos meus últimos dias felizes. Então, enquanto estiver escrevendo, pensarei que são os meus últimos dias, e eles se tornarão tristes. Porque as palavras não traduzem felicidade. Porque a dor sonha que um dia vai se encerrar em si mesma (mas não consegue, coitada). Porque enquanto a alegria te faz dormir pesado, a dor te tira o sono. E sem sono você pensa na dor. Sem sono você quer falar sobre ela, quer que o mundo a conheça. Deitados na cama sem ninguém pra entendê-los melhor do que vocês mesmo, vem a verdade: Você a ama (é rima pobre, amor e dor, bem sei). Você a ama mais até do que a felicidade dos dias esquecidos, ama porque ela te faz lembrar do que nunca lembramos nos dias bons. De nós mesmos. O diário é bom quando se torna semanário, quinzenário. É bom quando pula dias que foram felizes por qualquer razão e coloca em suas linhas a transcrição de uma conversa de cama, sob lençóis. Transcrição íntima de uma conversa consigo mesmo. Um Si-ário.

Se bem que no fundo eu escrevi tudo isso só pra justificar um blog tão depressivo.
não acredito no que sai da minha boca,
mas vou acreditando em tudo que a beija
vou acreditando em todas as outras bocas
enquanto a minha busca engolir qualquer verdade ou aparência de verdade que esteja passando pelo ar, como um sapo que espreita a mosca como quem espreita um pequeno vislumbre de felicidade naquelas asas furta-cor, e enfim a alcança, e percebe que o sabor não dura nada, nem mesmo a aparência do sabor dura - chiclete furta-cor mascado por uma hora -, assim como a verdade ou a sua aparência.
passo então a querer acreditar. acabo acreditando. acabo querendo. acabo passando.
no fundo o que sai das bocas são varejeiras.