7 de fevereiro de 2012

Bom troco

O peso do ar daquela noite o fez querer sair. Em sua casa há muito que os pesos deixaram de ser prazerosos, que os corpos deixaram de repousar um sobre o outro depois das noites movimentadas. Pesados eram, mas de passado, de problemas que se acumulam, não mais de desejo de se fundirem em um. Quis sair para que alguma cerveja o pesasse verdadeiramente então. Pegou as chaves de olhos baixos e murmurou coisa do tipo "vou dar uma volta", embora creio que se lhe pedissem para repetir em voz alta, diria "não pretendo voltar". Partiu. Desceu a rua e entrou num bar de esquina. Gostava de lá. Lhe atraía a escuridão do lugar, a escuridão dos corações mal resolvidos de lá. "Rostos mal iluminados não evidenciam a idade dos riscos", pensava. "Aqui não sou velho, exceto por essa barriga feita pelo tempo e por essa camisa de listras antigas". Tentava redescobrir nos jovens de lá a juventude outrora vivida, tentava traduzir os gritos juvenis seguidos de batidas na mesa e de gargalhadas que outrora entendia plenamente. Mas havia perdido a proficiência. Observava, sem malícia - ou com a malícia dos casos perdidos -, a moça que lhe servia. Movimentava-se tanto, "mal sabe que tanto movimento a fará chegar mais rápido a lugar nenhum, à velhice dos inertes", pensava, enquanto desviava o olhar ao encontrar o dela. Pediu-lhe uma cerveja após a outra, e achou graça quando percebeu que sempre após o pedido, a menina balançava a cabeça afirmativamente, com um sorriso sem dentes e um olhar envergonhado, que fugia logo. Perguntou-se se ela, em alguma medida, o conhecia. Tinha cabelos volumosos de outra época, talvez a dele, mas não era aquilo que os aproximava. Nos breves momentos em que confirmava o pedido olhando-o nos olhos era como se tentasse lhe desvendar por um momento, e isso o incomodava. Se acostumara a ser indecifrável, de alguma forma isso lhe devolvia qualquer traço único da personalidade que ele havia perdido em alguma rua, nos anos de idas e vindas à casa. Haver alguém no mundo que o pudesse compreender seria um risco para aquele universo que ele criou pra si, cercado por muralhas de estabilidade financeira, felicidade domiciliar e ração para cachorros. Pediu a conta daquele olhar. "24 reais e 75 centavos", ela disse, enquanto o desvendava mais um pouco. "Pois me veja mais uma. E fique com o troco." Do tipo que nunca recebeu gorjetas, a menina deu um sorriso, e saiu com pressa, lembrando-se do "obrigada" no meio do caminho. Depois de entregar a cerveja, ela não tornou a olhar para ele. Não queria que pensasse que o olhava pelo dinheiro. Seu interesse era no peso que aquele senhor trazia ao seu bar, no olhar triste dos que disfarçam as dores no escuro. Sem mais a ver, ele murmura baixinho enquanto se prepara para ir: "que a gorjeta cale o seu olhar", embora eu pense que se lhe pedissem para repetir em voz alta, creio que diria "me desvende, me acompanhe".
E essa foi a segunda-feira que me deu 17 reais de troco.

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