31 de maio de 2011

Você tem a certeza de que está sozinho quando ninguém percebe quando você disfarça o choro. E então você quer chorar alto mas não consegue mais. Se acostumou ao anonimato.

8 de maio de 2011

Quica um, dois, três e afunda.

Ai, como eu queria saber que a dor não é só minha.
E ver no outro o reflexo de mim.
Mas a água é cada vez mais turva; seixos atirados na superfície.
Meu reflexo é a sombra do que era, embora continue molhado.
Ai, como eu queria que me adivinhassem as dores e tirassem os seixos dos bolsos.

Metáfora, metonímia, pleonasmo e hipérbole.

Nas minhas longas leituras de Foucault - longas pelo grande tempo gasto em cada página -, uma passagem me pegou. E é justamente sobre a passagem que ela fala. Ele conta dos loucos que na idade média eram colocados em navios mercadores para expiar seus males na água, considerada um elemento purificador da alma. Medida de limpeza urbana, suponho. Mas o interessante é a conclusão em que ele chega:

Sua exclusão deve encerrá-lo; se ele não pode e não deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no lugar de passagem. Ele é colocado no interior do exterior, e inversamente. (...) Fechado no navio, de onde não se escapa, o louco é entregue ao rio de mil braços, ao mar de mil caminhos, a essa grande incerteza exterior a tudo. É um prisioneiro no meio da mais livre, da mais aberta das estradas: solidamente acorrentado à infinita encruzilhada. É o Passageiro por excelência, isto é, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer.


Meu limiar pode não ser tão extenso, mas me aprisiona. Quem dera ser louca pra estar alheia. Acontece que é sempre transição, mas diferente da do louco, ela traz a expectativa de conhecer a terra em que se aportará. Mas é raro se ouvir um "terra à vista!", e mais raro ainda não desviar dela por qualquer outra coisa que surgiu "à vista" também. Quanto mais distante, o lugar onde se estava vai deixando de ser o que era, de falar como falava, de comer de boca aberta como comia, de sorrir como sorria, de cheirar como cheirava. De continente vai se tornando ilha e, enfim, apenas uma sujeira levemente arredondada no horizonte. E a minha loucura vem daí. Ela surge na distância. Surge no esquecimento. A memória do lugar é colorida só porque te falta à mão uma fotografia atual dele (a memória não tem caminhos de regresso, toda primavera antiga é irrecuperável e o amor mais desatinado e tenaz não passa de uma verdade efêmera). Ou então te mostram essa foto, mas você não consegue reconhecer nada nela além de mentira. Então você se questiona sobre a verdade que existia nessa relação. Nessa e noutras. Todas as outras. Todas as terras que você visitou. A verdade é o seu navio. O momento presente, que é fluido como a água. Vá lá, todo esse horizonte pode deturpar sua visão... O céu que reflete a água não reflete a terra tão bem, mas todo o seu pensamento vagueia com ele. Às vezes você se pega perseguindo um passarinho de 140 caracteres e ele traz notícias daquela terra. Mas a água está ao seu redor, sai dos seus olhos. A notícia é que a terra está seca. E a lição é aprendida na palmatória.


E se a Blanche, do bonde chamado desejo (ou a barca louca de Foucault?) diz que sempre dependeu da bondade de estranhos, eu digo que sempre dependi da bondade dos conhecidos, até eles se tornarem estranhos. Então a bondade espontânea vira súplica.