22 de setembro de 2009

Cinzento Entendimento


Um dia, há algum tempo, andava pela rua.
Andava como todos andam, acostumada a qualquer nova informação.
Andava esta vida sem as surpresas de uma ficção, sem as expectativas de um clímax ou de uma fuga da rotina.

Falta imaginação aos passantes.
Precisamos nos desacostumar ao que vemos.
Tudo nos surpreenderia então.

A mim, isso ainda não transitava pela cabeça.
Então não pensei muito quando liguei o som de um aparelho que faria minha vida ser mais dançante.
Trilhas sonoras me fazem sentir num filme, onde não importam as paisagens cinzentas, os dilemas trabalhistas, os conflitos amorosos. Pois neste momento minha vida não passa de uma hora e quarenta e cinco minutos, e por ser condensada de tal forma, tudo toma uma intensidade diferente, e gera um interesse maior. E faço associações entre minhas músicas - velhas para todos e atemporais para mim - com aqueles cujos rostos cansados e cheiros acentuados transpassam aquela fronteira imaginária que cada um cria em torno de si numa calçada. Antes cantadas do sofrimento de certa época, agora serviam de moldura pesarosa para aqueles que talvez não reconhecessem em si o sofrimento de uma vida que anda sem surpresas por ruas cinzentas, enquanto passam despercebidas por pessoas que não as querem conhecer, enquanto se vêem sem quem as quis, enquanto riem a piada. Enquanto choram a vida.

Absorta nas divagações de quem descobre em si a verdade dos outros, um som me chama a atenção.
Meu olhar se volta para um homem, que passa lentamente por mim sobre uma bicicleta.
Ele olha para mim sorrindo.
Não tirei os fones a tempo de ouvir o que me dizia.
Mas senti repulsa.
Da placidez do meu semblante fez-se o nojo e a vontade de não mais compreender as pessoas.

Pela instintiva associação que fiz entre o sorriso de um homem de aparência humilde a uma tentativa de sedução vulgar, vi que não tinha vocação para entender as pessoas.
Nunca vou saber o que ele disse.
Mas se eu não posso culpá-lo por me deixar desconfortável, culpo a mim mesmo por me sentir incomodada com um sorriso.

Se antes abriguei as pessoas na minha compreensão, agora peço-lhes que me compreendam.
Naquele lapso cinematográfico, enquanto mergulhava na ficção de meus pensamentos, não soube lidar com a supresa que tanto me instigava.
A surpresa me fez retornar à realidade:

Acostumei-me ao cinza daqui. E este cinza nubla a infinidade de cores que eu sei que existem aqui. Preciso me colorir.