10 de fevereiro de 2012

Sobre barbies

Dou espaço aqui para um relato de infância.

Gostava de Barbies. Elas me faziam imaginar o que seria uma vida adulta. Mas nunca nomeei minhas Barbies e Kens com os nomes de minha mãe ou pai. A vida adulta deles é que parecia de fantasia diante das possibilidades que, em minha mão, a boneca se desdobrava pra abranger. Era eu nela, eram meus amores infantis nela, eram minhas aspirações de 2ª série nela, só que com um corpo mais desenvolvido - embora sem mamilos. E meu momento de me imaginar adulta era na chuva - talvez até hoje -, bastava que o som de alguns pingos me chegassem para eu correr rumo às pernas esguias e sem dedos da Barbie. A chuva me dava o isolamento acústico da intimidade. Lá eu poderia amar qualquer que fosse o menino que eu amasse na época - nessa época ama-se muito - e o meu jeito de fazer isso era arranjar uma vilã. Má, ela faria a mocinha cair de um penhasco-mesa, mas felizmente não causaria a sua morte, já que a astúcia de Barbie faz com que ela segure com apenas uma mão não-articulada a beirada do penhasco e lá fique por horas, à espera de um amor herói. Ele chegaria então, com seus cabelos de plástico nunca desfeitos pelo vento, e se curvaria a ela (tanto quanto se pode sem ter coluna), e estenderia seus braços em ângulo reto para tirá-la da aflição da morte. Então ele a abraçaria. Ou melhor, eu entortaria os braços dos dois até que aquilo se parecesse com um abraço e, fora um braço ou outro que se deslocava nesse carinho, confesso que o beijo sempre foi mais convincente. E confesso que é brega. Mas durante a minha infância o brega sempre esteve ao alcance.

Há, porém, algo que me intriga. Sempre me incomodavam os sorrisos. Eu cobrava momentos sérios dos bonecos, cobrava infelicidade. E de fato, seus olhos não sorriam, eles se enganavam. Tratei de buscar uma solução: tampava os sorrisos com meus polegares. Seus olhos se entristeciam e de repente eles viravam adultos. Meus amores já não cabiam neles - talvez a longínqua vontade de amar, que viria anos mais tarde -, mas seus olhos já me diziam mais do que muitos olhos da minha idade que eu nunca compreendi.

E a graça na qual me encontro agora é: hoje escondo infelicidade em sorrisos abertos, depois de já ter coberto sorrisos com os polegares. E quanto aos abraços... há mais facilidade para tê-los, mas tanta dificuldade em abdicar deles... Chego a crer que perder-se em um abraço pode doer mais do que perder um braço. Ainda mais quando ele é de plástico.

Um comentário:

Bá disse...

Vou comentar em todos que eu gostar, mesmo que sejam comentários inúteis e dispensáveis.