28 de outubro de 2012

luz quieta

O serviço funerário de São Bernardo não tem sirene.
Um carro branco, geladeira de almas, com uma luz azul-movente por cima, sinaleiro de espíritos. Eis tudo.
Como os doentes e criminosos, não teriam os mortos também alguma urgência no deslocamento? Não deveriam também ser autorizados a abrir passagem por entre a corrente de viventes - estes, aos quais não mais importam nem os doentes, nem os criminosos, nem os mortos, nem as sirenes azuis silenciosas (a não ser quando sonoras e vermelhas)?
Não, não é a morte que alardeia, que precisa ser vista. Esta é a sua fuga - composta por indiscretas sirenes que impedem uma conversa num café e que fazem de um motorista comum um exímio executor de clareiras no trânsito fechado. A um tempo fugitivos e cúmplices na fuga, na sempre fuga nossa de cada dia, como num replay ad eternum de um filme da seção Aventura da Blockbuster (Suspense, Terror, Pornô...), somos embalados por iós e banhados de vermelhidão luminosa e plasmática.
E, no entanto, no silêncio das buzinas de todo dia, obedecemos ao sinal-vermelho-fechado e não nos atrai a atenção um faroleiro azul ao lado, a própria morte no banco do passageiro num carro branco demais para sua  presença.

Aos viventes, a cromoterapia adverte: Deem preferência ao azul para momentos de relaxamento. As tonalidades do azul - principalmente as que tendem ao pastel - são altamente recomendadas pelos cromoterapeutas na pintura de ambientes tranquilos como quartos e banheiros, pois trazem ao habitante uma sensação de serenidade e paciência, bastante adequada ao sono.

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