31 de janeiro de 2009

Nota Para a Posteridade


Ando lendo muitas peças teatrais ultimamente.
Leio por curiosidade. É o que me resta desse mundo tão esclarecido.
Não se enganem, não sou culta. Sou mais ignorante do que um trabalhador braçal que largou os estudos para garantir o sustento da família. Ele sabe da vida.
Eu sei das peças. E das suas histórias fictícias sobre pessoas fictícias com seus dramas fictícios.

Precisamos de milhões de pétalas de flores para extrairmos poucos mililitros de sua essência.
Precisamos de milhões de pessoas para extrairmos poucas palavras de sua existência.
A essência, que num abrir de frasco nos inuda com um cheiro equivalente a uma plantação de flores.
A existência, que num virar de página - ou num abrir de cortinas - nos inunda com a realidade equivalente à vida de uma humanidade.

Mas, mesmo verossimilhantes, as peças ainda não contam da minha vida.
Contam da minha essência, sim.
Mas quem afinal conhece a sua própria essência?
Desconhecemos tudo aquilo que nos torna íntimos de quem não gostamos ou simplesmente não conhecemos.
Eu desconheço isso.
Por isso, e talvez por uma birra infantil de me considerar única - exclusivamente falando -, não consigo me identificar com o personagem.
Pode haver aquele outro motivo também. O de conhecer das peças, e não da vida.

Mas querendo ou não, a vida é teatral.
Sendo aspirante à atriz, sou aspirante à vida.
E a teatralidade da vida me impede de ser real.
Muito embora o que é teatral não seja irreal.
Preciso, de uma vez por todas, aprender essa lição.
Pois quando leio uma peça, todos os meus átomos se voltam para um objetivo.
O de parecer real, apesar de não o ser.
Meus olhos não mentem. Eles tremem ante a falsidade daquilo que digo.
"Meus olhos precisam aprender a mentir."

Me ocorreu esse pensamento.
Sem me dar conta de que se os meus olhos precisam desse aprendizado, então meu corpo inteiro, todos os meus sentidos e pensamentos deveriam fazer parte dessa tarefa então.


Caí na realidade do absurdo que dizia.
Não tenho que mentir para ser real.
Basta extrair de mim a verdade,
colocá-la num pequeno frasco,
e quando sentir necessidade,
desenroscar seu ferrolho,
e cheirar a mim mesmo,
me inundar de mim,
e da humanidade,
e ser igual,
essência.

4 comentários:

LZ disse...

Uma vez me perguntaram se a minha arte era uma mentira. Sim, ela é, de certa maneira, uma mentira necessária. A verdade precisa da mentira pra existir, pra se fazer prevalecer... ou não. Assim, acho que a vida precisa desesperadamente da arte, como uma espécie de reiteração, não de negação!
Mas chega de digressões absurdas.
A sua percepção aparece lindamente neste texto, límpida e um tanto quanto verdadeiramente amadurecida.
Creio que isso acontece quando entramos mesmo fundo naquilo que faz nossos olhos se marejarem, nossa pele arrepiar...: a paixão provocada por uma vocação que sabemos muito nossa. No seu caso, o Teatro, a farsa que descortina a vida, o palco que é na verdade o espelho das incoerências humanas.

Parabéns fraternos e artísticos!
Beijinho na nuca, bonequinha!

Unknown disse...

nossa marô, gostei muito.

aquela parte dos átomos....

mas o melhor é "solução" acho que é bem por aí, sentia isso, mas você colocou em palavras.

obrigado por dividir.

Arthur disse...

O grande dilema do ser ou não ser.
As grande descobertas que ainda virão (ou não). O fascínio pela vida. Podemos concluir tão somente que o importante não são as respostas e sim a busca.

E quem sabe não buscar o saber, aquele que a vida e o tempo se engaregarão de trazer, mas buscas a sua essência de ser-presente. Usar tudo o que você é (e foi). Só assim poderá chegar ao ponto perto do real e do ficcional enquanto mantem a distancia necessário entre os dois.

Sem mais, me pergunto: O quão belos seus escritinhos podem ser?

Kelly Guimarães disse...

Jamais te acusaria de plágio.

Mas realmente... sinto que vc tbm viajou pelo mesmo túnel de idéias que eu pra escrever esse texto.
Claro que falamos de coisas parecidas, mas de um modo diferente.
E no momento em que escrevia não me vi capaz de me expressar com tantas palavras (algo raro pra mim, admito) e ao contrário de vc não escrevi um texto muito extenso.
Mas curti muito o seu.

E quanto a pensarmos/escrevermos sobre a mesma coisa?

(lixo vc)

;)

Te adoro guria!! ^.^