5 de agosto de 2016

Luiza

Luiza se sentia assistida como uma atriz no momento em que se suspende num guincho por não se lembrar da próxima ação da cena. Não, não. Este é um momento precioso, véspera de qualquer coisa viva prestes a acontecer no palco. Essa metáfora é impossível porque não é em vida que Luiza pensa.

Luiza se sentia assistida como uma atriz - repito a metáfora por senti-la familiar - que já errou muitos textos numa mesma apresentação. Que gaguejou, que pulou uma palavra importante, que se enroscou em sílabas consonantais, travou - olhou para alguém do público com expressão entendiada - quis disfarçar e foi engolida pelo piso. Luiza tende a exagerar nas metáforas, mas de qualquer forma ela se sentia assistida.

Alguém mais atento poderia dizer que Luiza está sendo assistida apenas por ela mesma e por mais ninguém enquanto escreve num blog ou enquanto permanece em pé frente aquele que arranha seus pensamentos. Esse mesmo alguém mais atento poderia dizer que Luiza se engana tanto a respeito do que pensa de si e das pessoas... e usaria reticências para demonstrar sua decepção. Ao final das reticências, pula uma linha, parágrafo, esse alguém diria que é Luiza quem assiste a todos - e a vida dos outros dói.

Mas voltemos à ficção de Luiza. Assim assistida, qual seria a estética de seu filme? Preto e branco, pós dramático, noir?  Lírico, épico, dramático? Um documentário sobre seu hábito de molhar pão com manteiga no nescau? Qual cena a traduziria em sua complexidade tão preguiçosa? Um rinoceronte num barco remado por ela? Um homem que tenta atravessar uma piscina com uma vela acesa? Uma mulher que olha dentro da boca de um homem para descobrir o que mora ali de verdade? Ou quem sabe um blockbuster qualquer em cores pastéis, corpos de herbalife e bonitos e sempre recíprocos sentimentos?

Luiza em seu íntimo deve achar que sua estética é a das câmeras de segurança. A granulação tem sua poesia, além de sair mais barato, ela deve pensar. Das características que a convencem que a câmera de segurança imortaliza sua vida:
I - Baixo orçamento
II - Baixa definição
III - A paisagem nunca se altera
IV - Há suspense do iminente crime
V - Alguns rostos são confiáveis e suspeitos ao mesmo tempo

Luiza se dispõe a emprestar a fita aos interessados.

Nenhum comentário: