24 de fevereiro de 2013

Maria José, 123

O lado de fora da casa de um velho tem mais cores.
Pela ausência da catarata, talvez. Pelos olhos de quem ainda não os têm opacos, daquela cor acinzentada que só olhos velhos têm.

De fora da casa de um velho, há gente colorida, há casas antigas pintadas pela prefeitura pra valorizar o bairro tradicional, há crianças jogando uma bola amarela, há um cheiro de pão recém saído do forno, há um gosto de cerveja choca no bar da frente, há o batuque do terreiro lá de trás, há uma calçada sem vagas para mais carros - estes sim, pretos e pratas, apenas -, há mulheres de cabelos feitos - não sem um ou outro fio espigado pra cima, esse clima anda terrível - saindo dos muitos salões ao redor, há alguma briga acontecendo num apartamento por ali, há um velho que, sorrindo, espia a rua duma janela.

De dentro da casa de um velho, há poucos vizinhos que o viram sem cabelos brancos vivos, há o barulho de relógio de corda, um cheiro de velhice na cristaleira, há espelhos cobertos, há um ou outro cumprimento de cabeça com os conhecidos que passam, há um sorriso constante nos lábios, não há tanto cheiro, não há tanta cor, não há tanto sentido nas coisas e nas pressas de quem passa, não há espaço para jogarem bola com todos esses carros - a prefeitura deveria fazer alguma coisa, há sempre lixo remexido na frente também -, há uma porção de gente temporária, há o pãozinho que a vizinha trouxe pensando na espinhela caída, há um suspiro longo que dói de vez em quando e há aquela menina que, curiosa,  sempre anda no outro lado da rua olhando em sua direção.

Um dia ela descobre que não há pernas que aguentem todas essas cores do lado de fora.

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