29 de julho de 2010

navegando em terra

O soluço antecede a lágrima.
Em pequenos pulos, o corpo denunciava o dilúvio.
Convulsionava-se com movimentos que silenciavam o pranto.
Com o tempo, aprendeu a chorar liquidamente, apenas.
Em nó de marinheiro sua garganta se fechava, mas não subia à superfície em busca de oxigênio como antes. Sabia que o ar viria, era só esperar os passos passarem.
Passavam sem se deter.

À medida que se enchia por completo o mundo se esvaziava por completo. Nunca pensou que era assim que se sentia quem um dia estendesse e apertasse a mão de si mesmo. Que enfiando-se no espelho o que se espatifava era o lado de fora, que ver com os olhos de quem reflete é ver da moldura para fora e não da moldura para dentro. Tudo caíra com tal rapidez que os cacos pareciam querer compensar o incômodo tilintando no chão opaco. As imagens dizem, mas nunca podem ouvir.

Tilinta a saudade.
Mergulhada no espelho, brincou com as pequenas aranhinhas da solidão compartilhada, os garranchos que se faziam ouvir de longe mas que só queriam ser ouvidos por ela, para que "em qualquer lugar que estivesse lembrasse sempre que o passado era uma mentira, que a memória não tinha caminhos de regresso que toda primavera antiga era irrecuperável e que o amor mais desatinado e tenaz não passava de uma verdade efêmera."
Verdade efêmera. Verdade mundo, verdade tudo. Verdade onírica.
Verdade própria. Mas verdade.
E o que torna a mentira melhor?
O passado da memória saudosa é sépia, poético. Contrasta-se o presente em cores.
O que torna a tela branca obra é a mão, não a palheta. Na tela o presente existe sem laço, sem embrulho. Presente nu, despido de primavera.
Não haveria de regressar se o que se mostra aqui fosse grito.
Mas é eco
eco
do eco
do
eco
eco
eco
do que foi.
A reprodução automática é mérito do homem moderno.
Se esquece que não há reprodução viva que não seja criada.
E tudo parece normal, e a normalidade é devorada por cupins. Resta o desespero de dissecar o verme. De mostrar, de esfregar na mão, na cara, no corpo o bicho, para que acreditem na realidade do que corrói. Que a ruga não quer ser susto, que a frieza deixa de aquecer, mesmo sob um milhão de cobertores. A vontade de gritar o eco, para que se perceba como tal. A ânsia de ouvir resquício de saudade que não venha do chiado da própria respiração ao telefone.

Depois de tê-lo combatido, querer ser querida pelo que há do outro lado da moldura.
A carência absurda de pertencer a algo.
À deriva.

Um comentário:

Anônimo disse...

Saudades daquela tarde com fondue e vinho vaga na casa kelviana.

Hoteleiro R.

Nao responda-me. ;)