Todo eu-lírico é cartesiano na medida em que compreende seus eixos a cada cálculo, e é pelos eixos que o desenrolar das palavras se dá. Mas a razão de um eu-lírico ao eu-lírico pertence.
17 de dezembro de 2017
nota da autora
Todo eu-lírico é cartesiano na medida em que compreende seus eixos a cada cálculo, e é pelos eixos que o desenrolar das palavras se dá. Mas a razão de um eu-lírico ao eu-lírico pertence.
20 de novembro de 2017
o gato de schrödinger
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- antes diz a verdade, ela caiu ou voou?
- a pergunta certa é: ele olhou pro chão ou pro céu quando ela sumiu?
30 de outubro de 2017
de quando se acorda
A grande cidade acorda aos sons da pressa e dos acidentes em vias expressas. Das máquinas de corte e solda. É o que ouvem as pálpebras ainda pesadas e difusas que convencem a permanência no solo seguro da cama. Mas se há qualquer esperança, é possível ouvir cantos de pássaro e o fluxo de carros por sobre as emendas do asfalto como uma espécie de sequência de ondas em uma praia. É necessário sonhar em pé.
6 de outubro de 2017
#15 ação para uma mulher voltar
#14 ação para uma mulher voltar
#13 ação para uma mulher voltar
#12 ação para uma mulher voltar
#11 ação para uma mulher voltar
#10 ação para uma mulher voltar
#9 ação para uma mulher voltar
Não alimentar esperanças.
Não alimentar esperanças.
Não alimentar esperanças.
Não alimentar esperanças.
Não alimentar esperanças.
#8 ação para uma mulher voltar
#7 ação para uma mulher voltar
#6 ação para uma mulher voltar
#5 ação para uma mulher voltar
#4 ação para uma mulher voltar
#3 ação para uma mulher voltar
#2 ação para uma mulher voltar
#1 ação para uma mulher voltar
bicho
e o esforço contínuo de tomar pra mim, tomar pra mim
tomar pra mim o que deveria ser meu
como os passos que eu dou, a princípio
e os olhares que fogem de mim apesar de quererem olhar
e aquele que foge nem percebe que o bicho que se teme está preso em jaula, sem apetite
fraco para rugir
e se solto, provável que não causasse nada ao mundo além de pesadas pegadas
que assim acuado, preso, cutucado às vezes com vara de ponta aguda pra se lembrar de sentir qualquer coisa, assim ele parece uma ameaça
assim como aquele bicho que cutuca - este dono de uma vara, e da paz de grades de ferro que ele mesmo construiu para a proteção do seu mundo
ou para o atrofiamento do mundo do outro
16 de agosto de 2017
capítulo dois - disjuntor
(pisca a luz)
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - Você viu isso?
ALGUÉM QUE OLHA PARA CIMA - Sim.
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - O sol piscou.
ALGUÉM QUE OLHA PARA CIMA - Deve ter sido uma nuvem rápida.
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - Não, não. Fez CLEC.
ALGUÉM QUE OLHA PARA CIMA - Um avião caindo então.
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - Aí só viria um clarão bonito, um bafo quente, não um
apagão.
ALGUÉM QUE OLHA PARA CIMA - Hum. A gente pode ter piscado ao mesmo tempo.
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - Caiu a chave.
ALGUÉM QUE OLHA PARA CIMA - O que?
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - O disjuntor. Desarmou.
ALGUÉM QUE OLHA PARA CIMA - O que?
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - Olha ali na rua as pessoas olhando pra cima. O disjuntor desarmou. Caiu a energia. Mexeram nos fios, sei lá. Deus perdeu o controle, foi isso. Deus falhou.
ALGUÉM QUE OLHA PARA CIMA - Calma, calma.
ALGUÉM QUE OLHA PARA BAIXO - Olha ali na rua, as pessoas se ajoelharam, olha. Olha ali, aquela senhora chorando e pedindo perdão. Olha ali as pessoas saqueando o açougue, ó! Ó. Agora saquearam a senhora, ó! Olha ali as pessoas filmando a senhora ser saqueada, ó. Olha ali, as pessoas amontoadas na porta da universal do reino de deus sem poder entrar, olha ali! Ouve, ouve. Tá ouvindo as trombetas? Olha lá, mataram a senhora.
Mataram a senhora. Olha ali aquele moço fazendo um cartaz. Tá apontando pra cá, ó. Não dá pra ler. Não dá pra ler! Moço, não dá pra ler! Olha aí os quatro cavalos, ó! Chegaram.
Olha ali as pessoas fugindo de carro ó. Atropelando as outras. Olha ali. Olha ali aquelas achando que não tem pecado, ó, que agiram bem em vida, ó! Não! Eu não paguei o aluguel! Deixa eu pagar o aluguel, deixa? Ai eu fico pronto. Só deixa eu pagar o aluguel que eu fico pronto.
15 de agosto de 2017
29 de julho de 2017
escritos antigos 1
Talvez assim: Os amores se dão nos pés, no chão fofo que cheira à vida. As paixões se dão nas abissais ocêanicas cuja aparência desconhecemos. É tudo uma questão de se olhar pro elemento.
escritos antigos 2
8 de julho de 2017
attend to the bones
redescobrir as superfícies do mundo, dos homens, de mim
deixar ver, deixar ser vista
e sentida em minha composição primeira
que é pele, calor e sal
é necessário ser toda pele, e não mais que pele
16 de maio de 2017
um pouco mais contemporânea que de costume
17 de abril de 2017
errata
11 de abril de 2017
Mafalda me sopra algo
A morte já é um vento que deixa de ventar sem aviso. A quem sentia o vento faltam de repente seus cheiros, os pêlos arrepiados e às vezes as palavras, e a quem não o sentia, bom, a estes não falta nada.
(Eu nunca poderia ser redatora de epítáfios. Acabo de descobrir isso.)
Uma faixa numa coroa de flores comporta tão pouco de uma existência. Da pessoa, sua função, algum afeto, alguma saudade, e só. Seria preciso pregar um pergaminho inteiramente escrito em fonte 8 frente e verso numa coroa de clores para que algo de alguma existência fosse contemplado. Das coroas eu nem me arrisco a comentar, grotescos arranjos redondamente artificiais de todas as flores já mortas disponíveis na floricultura superfaturada em frente ao cemitério.
Mafalda foi minha avó, mas antes de ser minha avó, Mafalda foi mulher.
Minha avó se apaixonou por um jovem estudante de medicina num ponto de ônibus quando tinha 14 anos e nunca o esqueceu. Foram algumas palavras trocadas. Se despediram e ela não o viu por quarenta anos. Casou-se, teve filhos, enviuvou, abriu vários bares e sobreviveu às suas falências. Aos 55 anos marcou uma consulta com o médico que encontrou no ponto de ônibus. Perguntou se ele lembrava dela, ele fez que não com a cabeça. Ela pagou a consulta e saiu. Seguiu. Um dia começou a matar formigas onde não havia formigas e chamar pessoas que já haviam morrido. Teve alzheimer, escleorose múltipla, vegetou. Antes de calar, às vezes chamava alto o nome do Dr. Carlos entre um espasmo e outro.
Paixão.
Se apaixonar para algumas pessoas pode ser tudo o que há.
E como o maior medo da paixão é não ser lembrada (como minha avó naquele consultório) lanço aqui um punhado de hipóteses pessoais sobre ela, por pura pretensão de achar que é possível definí-la - e aqui estou escrevendo os epitáfios da paixão embora não seja minha intenção enterrá-la tão cedo. Sobre ela:
Pode se parecer com se manter na beirada de uma grande altura e ter a sensação de que o chão é seguro.
Pode ser como a própria queda. A sensação de que os órgãos flutuam dentro do corpo durante uma queda livre. (Ainda que meu parâmetro de queda seja o Hopi Hari e suas travas de segurança - essa queda outra não tem a ver com segurança)
Ou, mais concreto, talvez se apaixonar seja já estar no chão. Não há além. Talvez seja sentir que a imensa gravidade só não retém os pensamentos, mas é o que nos ajuda a mensurar o peso dos corpos sobre o nosso corpo. É tremer como a terra treme e depender da mesma terra se o caso for de cair. É se deixar cair, se deixar doer, se deixar sujar. É um encontro de dois corpos que anseiam pelo encontro - e não sabem o que fazer dele.
6 de abril de 2017
27 de março de 2017
vergalhão de 1,56m
Mas isso tudo é poesia. Tudo isso é atribuir nobreza demais pra confusão desta mulher.
(E poeta mesmo é o pedreiro.)
17 de março de 2017
às minhas
Sempre achei que as mãos trabalhadoras eram aquelas ásperas, duras, de juntas agudas; Eram as mesmas donas das mãos lisas que me diziam isso enquanto apalpavam as minhas mãos de menina. Não lembro de ter conhecido mãos mais macias que as de minha mãe e de minhas avós, e hoje leio - presencialmente ou em visitas à memória - suas existências complexas, penosas e de bravas lutas nas tantas linhas das palmas das mãos. Um tecido amarrotado de linhas, de rugas formadas pelos apertos de terços e ramos de arruda dos momentos de aflição, ou apenas dos sulcos dos caminhos feitos ou não feitos da vida que encontram abrigo ali.
Há algum tempo me sinto sem densidade, volátil. Vulnerável a qualquer vento mais forte que me dissipe pra qualquer atmosfera. Nesse tempo senti saudades dessas mulheres. Que a força delas estava na leveza de seus passos e mãos, e era ela que mantinha o mundo todo em ordem, as pessoas todas presas ao chão. Essas mulheres eram a terra, o subterrâneo de tudo, tudo aquilo que existe antes de qualquer movimento. Assim são as mulheres.
Me reuni no quintal da casa da família com minha irmã e minha mãe. Nunca antes estive tão vulnerável na presença delas. Qualquer olhar de sombrancelhas mais arqueadas era capaz de me derrubar num surto de lágrimas. Olhos baixos da vergonha de estar vazia da força das minhas ancestrais, da beleza do mundo, da capacidade de vencer qualquer tempestade como a terra que sucumbe, erode, estala e ainda assim germina e serve de chão. Minha irmã me encorajou a tirar cartas de um baralho de tarô. Leu o que elas diziam em voz baixa a pedido de minha mãe.
Leu ali o que me pareceu uma fenda na armadura que eu tinha construído pra mim.
Em seguida, minha mãe recolheu um ramo de arruda e trouxe um prato branco com água e uma colher com um pouco de óleo até a mesa. Me pediu olhos fechados. Rezou as palavras de minha avó paterna num murmúrio indecifrável enquanto fazia sinais da cruz ao meu redor. A cada sequência de orações parava por instantes, molhava um dedo com o óleo e esperava uma gota cair naturalmente no prato com água. Tornava a repetir. Arruda, óleo, água. Arruda, óleo, água.
Estavam ali as minhas origens, o meu chão.
Estava ali a minha densidade, a minha natureza.
Minha mãe se preocupou como mãe que é, e falou baixo sobre o porque havia repetido a benção tantas vezes. Enquanto ela falava baixo eu percebi que não era da benção o que eu precisava, mas desse silêncio outro, tempo outro, desse cheiro outro, desse toque liso que trazia minhas antepassadas para uma breve visita. Ela falava baixo porque temia que os vizinhos escutassem. Falava numa voz ainda mais grave pelo volume baixo e aquilo era como se alguma música antiga tocasse em mim.
Me senti junto às minhas. E isso já era o necessário para seguir.
um temporal
Não, não me sinto no mesmo lugar. No mesmo tempo. O espelho me mostra um rosto que aprende a ceder à gravidade das coisas, que aprende não sem medo a aceitar sua queda. Fora do meu reflexo, minha distância de menina a mulher foi percorrida por céu e terra.
Se tudo se passou aqui, neste apartamento, foram então as nuvens lá de fora que se formaram rapidamente num céu quente e vaporoso, e então descoloriram o grande azul e de brancas se tornaram cinzas e então quase negras, e nesse momento começaram suas corridas de mil ventos, um ou outro deles assobiando pavorosamente pela fresta da janela deste aqui. Toda uma iminência de algo, tudo um algo prestes a suceder. Chuva que salpica o amianto até ele também ser inteiro molhado como o céu e os pés e o meu espírito. Chuva sem direção, de todas as direções, granizo eo barulho do choro empredado, ensurdecedor; céu e terra brancos e duros. (Daqui eu procurava também endurecer para não escoar ou evaporar)
E então o mundo foi se acalmando, compreendendo melhor o seu ciclo e permitindo que as pessoas recomeçassem os seus. Algum silêncio se instaurou, alguma paz. Há telhas caídas, árvores tombadas nas ruas, alguns acidentes de trânsito, roupas encharcadas nos varais - mas o nome disso é paz.
É aí que me reconheço agora. Mantendo a calma apesar das sirenes e alarmes disparados pelas pedras de gelo.
A duração do processo de tornar-me mulher é um temporal.
pequena carta sem remetente a um destinatário anônimo
pulsante, vibrátil, corrosiva.